quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Rei Está Nu

Este é um conto que trata da vaidade humana. Quanto maior a vaidade, mais tolos nos tornamos. E costumamos alimentar a vaidade uns dos outros.  

Era uma vez um rei muito vaidoso e que gostava de andar muito bem arranjado. Um dia, um alfaiate espertalhão deu-lhe o seguinte conselho:

- Majestade, é do meu conhecimento que apreciais andar sempre muito bem vestido, como ninguém; e bem o mereceis! Descobri um tecido muito belo e de tal qualidade que os tolos não são capazes de o ver. Com um manto assim Vossa Majestade poderá distinguir as pessoas inteligentes das pessoas tolas, parvas e estúpidas que não servirão para a vossa corte.
- Oh! Mas é uma descoberta espantosa! - respondeu o rei. - Traga-me já esse tecido e faça-me a roupa; quero ver as qualidades das pessoas que tenho ao meu serviço.
O alfaiate aldrabão tirou as medidas do rei e, daí a umas semanas, apresentou-se, dizendo:
- Aqui está o manto de Vossa Majestade.
O rei não via nada, mas como não queria passar por parvo, respondeu:
- Oh! Como é belo!
Então o alfaiate fez de conta que estava vestindo o manto no rei, com todos os gestos necessários e exclamações elogiosas:
- Vossa Majestade está tão elegante! Todos vos invejarão!
A notícia correu toda a cidade: o rei tinha um manto que só os inteligentes eram capazes de ver. Um dia, o rei decidiu sair para se mostrar ao povo, desfilando pela cidade, com sua comitiva real acompanhando. 
Toda a gente fingia admirar a vestimenta, porque ninguém queria passar por estúpido, até que, a certa altura, uma criança, em toda a sua inocência, gritou:
- Olha, olha! O rei está nu!
Ninguém conseguiu segurar o riso. Todos gargalharam e só então o rei compreendeu que fora enganado. Envergonhado e arrependido da sua vaidade, correu a esconder-se no palácio.

(Baseado no conto de Hans Christian Andersen)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Conto de Natal


Eu, menino, sentado na calçada, sob um sol escaldante, observava a movimentação das pessoas em volta, e tentava compreender o que estava acontecendo.
que é o natal? Perguntava-me em, silêncio.
Eu, menino, ouvira falar que aquele era o dia em que Papai Noel, em seu trenó puxado por renas, cruzava os céus distribuindo brinquedos a todas as crianças.
E por que então, eu, que passo a madrugada ao relento nunca vi o trenó voador? Onde estão meus presentes? Perguntava-me.
E eu, menino, imaginava que o Natal não deveria ser isso. Talvez fosse um dia especial, em que as pessoas abraçassem seus familiares e fossem mais amigas umas das outras.
Ou talvez fosse o dia da fraternidade e do perdão.
Mas então porque eu, sentado no meio-fio, não recebo sequer um sorriso? Perguntava-me, com tristeza e por que a polícia trabalha no natal?
E eu, menino, entendia que não devia ser assim...
Imaginava que talvez o Natal fosse um dia mágico porque as pessoas enchem as igrejas em busca de Deus.
Mas porque, então, não saem de lá melhores do que entraram?
Debatia-me na ânsia de compreender essa ocasião diferente.
Via risos, mas eram gargalhadas que escondiam tanta tristeza e ódio, tanta amargura e sofrimento...
E eu, menino, mergulhado em tão profundas reflexões, vi aproximar-se um homem...
Era um belo homem...
Não era gordo nem magro, nem alto nem baixo, nem branco, nem preto, nem pardo, nem amarelo ou vermelho.
Era apenas um homem com olhos cor de ternura e um sorriso em forma de carinho que, numa voz em tom de afago, saudou-me:
Olá, menino!
Oi!... respondi, meio tímido.
E, com grande admiração, vi-o acomodar-se a meu lado, na calçada, sob o sol escaldante.
Eu, menino, aceitei-o como amigo, num olhar. E atirei-lhe a pergunta que me inquietava e entristecia:
Que é o Natal?
Ele, sorrindo ainda mais, respondeu-me, sereno:
Meu aniversário.
Como assim? Perguntei, percebendo que ele estava sozinho.
Por que você não está em casa? Onde estão seus familiares?
E ele me disse: Esta é a minha família, apontando para aquelas pessoas que andavam apressadas. E eu menino, não compreendi.
Você também faz parte da minha família... Acrescentou, aumentando a confusão na minha cabeça de menino.
Não conheço você! - eu disse.
É porque nunca lhe  falaram de mim. Mas eu o conheço. E o amo...
Tremi de emoção com aquelas palavras, na minha fragilidade de menino. Você deve estar triste, comentei. Porque está sozinho, justo no dia do próprio aniversário...
Neste momento estou com você - respondeu-me com um sorriso.
E porque eu não queria vê-lo ir-se embora, saí correndo em disparada pela rua. Abandoinei-O, levando-O para sempre no mais íntimo do coração...
E saí em busca de braços que aceitassem os meus...
E eu, menino, nunca mais O vi. Mas fiquei com a certeza de que Ele sempre está comigo, e não apenas nas noites de Natal...
E eu, menino, sorri... pois agora eu sei que Ele é Jesus... E é por causa Dele que existe o Natal.
(Pe. Reginaldo Manzotti)

domingo, 16 de dezembro de 2012

O Mais Valioso


Este belo conto nos faz indagar a nós mesmos: "O que é verdadeiramente valioso para mim?" "Será que estou me importando com as coisas essenciais ou estou simplesmente gastando minha energia com coisas supérfluas e sem profundidade?"
E aí, vem a pergunta mais inquietante: "Será que cumpriremos nossa missão aqui na Terra?"
Cumpriremos sim, se mudarmos nosso foco para o que realmente tem valor. 

Era uma vez um jovem que foi chamado pelo rei para realizar uma tarefa: levar uma mensagem e alguns diamantes a um outro rei de uma terra distante. O jovem recebeu o melhor cavalo do reino para levá-lo na jornada.
Antes de partir, ouviu do rei a recomendação:

- Cuida do mais importante e cumprirás a missão!

O rapaz preparou o seu alforje, escondeu a mensagem na bainha da calça e colocou as pedras numa bolsa de couro amarrada a cintura, sob suas vestes. Subiu no cavalo e partiu de madrugada, determinado a não falhar em sua empreitada. Estava disposto a mostrar ao rei que ele era um cavaleiro nobre e valente, pronto para desposar a princesa. Aliás, esse era o seu sonho e parecia que a princesa correspondia às suas esperanças. 

Para acelerar sua tarefa, ele muitas vezes saía da estrada e pegava atalhos tortuosos e íngremes, que sacrificavam sua montaria e obrigavam o animal a dar o máximo de si. Quando parava em alguma estalagem para descansar, deixava o cavalo ao relento, não lhe aliviava da sela e nem da carga, tampouco se preocupava em dar-lhe de beber ou comer.

- Assim, meu jovem, acabarás perdendo o animal - disse alguém.
- Não me importo - respondeu ele. - Tenho dinheiro. Se este morrer, compro outro. Nenhuma falta fará!

Com o passar dos dias e sob tamanho esforço, o pobre animal, não suportando mais os maus-tratos, caiu morto na estrada. O jovem simplesmente o amaldiçoou e seguiu o caminho a pé. Acontece que nessa parte do reino havia poucas fazendas e eram muito distantes umas das outras. Passadas algumas horas, ele se deu conta da falta que lhe fazia o animal. Estava exausto e sedento. Já havia deixado pelo caminho toda a tralha, com exceção das pedras, pois lembrava da recomendação do rei: "Cuide do mais importante!"

Seu passo se tornou curto e lento. As paradas, frequentes e longas. Como sabia que poderia cair a qualquer momento e temendo ser assaltado, escondeu as pedras no salto de sua bota. Mais tarde, caiu exausto no pé da estrada, onde ficou desacordado. Para sua sorte, uma caravana de mercadores que seguia viagem para o seu reino, encontrou-o e cuidou dele.

Ao recobrar os sentidos, encontrou-se de volta em sua cidade. Imediatamente foi ter com o rei para contar o que havia acontecido e, com a maior desfaçatez, colocou toda a culpa do insucesso nas costas do cavalo "fraco e doente" que recebera.

- Porém, majestade, cuidei do mais importante, da forma como me recomendastes, e aqui devolvo as pedras que me confiastes. Não perdi uma sequer.

O rei as recebeu de suas mãos com tristeza e o despediu, mostrando completa frieza diante de seus argumentos. Abatido, o jovem deixou o palácio. Em casa, ao tirar a roupa suja, encontrou na bainha da calça a mensagem do rei, que dizia:

"Ao meu irmão, rei da terra do Norte. O jovem que te envio é candidato a casar com minha filha. Esta jornada é uma prova. Dei a ele alguns diamantes e um bom cavalo. Recomendei que cuidasse do mais importante. Faz-me, portanto, este grande favor e verifique o estado do cavalo. Se o animal estiver forte e viçoso, saberei que o jovem aprecia a fidelidade e força de quem o auxilia na jornada. Se porém, perder o animal e apenas guardar as pedras, não será um bom marido nem rei, pois terá olhos apenas para o tesouro do reino e não dará importância à rainha nem àqueles que o servem".

sábado, 15 de dezembro de 2012

Os Sete Eus


No momento mais silencioso da noite, estando eu deitado semiadormecido, os meus sete eus sentaram-se e assim conversaram, murmurando: 

Primeiro Eu:
“Aqui, neste louco, habitei todos estes anos, sem nada para fazer senão renovar a sua dor de dia e recriar a sua mágoa de noite. Não suporto mais o meu destino e agora rebelo-me.”

Segundo Eu:
“Irmão, o teu destino é melhor do que o meu, pois cabe-me a mim ser o eu feliz deste louco. Rio o seu riso e canto os seus momentos felizes e com pés três vezes alados danço os seus pensamentos mais brilhantes. Sou eu quem se quer revoltar contra a fatigante existência.”

Terceiro Eu:
“E então eu, o dominado pelo amor, a marca flamejante da paixão selvagem e dos desejos fantásticos? Sou eu, o doente de amor, quem se quer revoltar contra este louco.”

Quarto Eu:
“De entre todos vós, sou o mais infeliz, porque nada me foi dado senão ódio abominável e aversão destrutiva. Sou eu, o eu semelhante à tempestade, o que nasceu nas cavernas negras do inferno, quem deveria protestar contra servir este louco.”

Quinto Eu:
“Não, sou eu, o pensador, o eu pleno de fantasias, o eu da fome e da sede, o que está condenado a deambular sem descanso em demanda de coisas desconhecidas e ainda por criar; sou eu, não vós, quem se deveria revoltar.”

Sexto Eu:
“E eu, o que trabalha, o obreiro que inspira piedade, que, com mãos pacientes, e olhos sonhadores, molda o dia em imagens e dá aos elementos novas e eternas formas - sou eu, o solitário, quem se deveria revoltar contra este louco irrequieto.”

Sétimo Eu:
“Que estranho que todos vós vos queirais se revoltar contra este homem, tão-só porque cada um tem um destino predeterminado a realizar. Ah! Pudesse assemelhar-me a um de vós, um eu com um destino determinado! Mas não tenho nenhum, sou o que nada faz, aquele que se senta no nenhures e no nunca mudos e vazios, enquanto vós estais ocupados a recriar a vida. Sois vós ou eu, vizinhos, quem se deveria revoltar?"

Quando o sétimo eu assim falou os outros seis olharam-no com piedade, mas nada proferiram; e à medida que a noite se tornava mais profunda, um após outro foi dormir envolto numa nova e feliz submissão.

Mas o sétimo eu ficou a observar e a mirar o nada por detrás de todas as coisas.

(Khalil Gibran)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A Essência do Zen


Segundo a tradição budista, esta história ocorreu na China, no século VII.

O abade de um grande mosteiro pediu a seus monges que fizessem um poema onde pudessem espelhar a doutrina de Buda. O monge mais antigo, querido e respeitado por todos, assim se expressou:

“O corpo é a árvore Bodhi*,
A mente é como um espelho brilhante
Cuide para mantê-la sempre limpa
Não permitindo que o pó se assente.”


Outro monge simples e quase analfabeto, pediu a um colega letrado para escrever o seu poema:

“O corpo não é a árvore Bodhi
A mente não é como um espelho brilhante
Se não há nada desde o princípio
Onde o pó se assenta?”


O aprofundamento que sugere o poema do iletrado monge reflete a essência dos ensinamentos do Sexto Ancestral da China, o Venerável Mestre Hui-neng e do Zen.

A prática da meditação do Zazen não é para polir o espírito, não é para limpar a mente, não é para esvaziar nada. É tornar-se uno com nossa essência verdadeira, com aquele Eu imenso que contem todos os sentimentos, emoções, percepções, formações mentais, consciência e a forma física.

Retornar à verdade e ao caminho é retornar à vida. Assim falamos em renascer. Deixar morrer idéias abstratas e fantasiosas sobre estar separado do tudo e dos outros e perceber a sabedoria suprema presente em todos os seres, vivenciá-la, tornar-se uno com todos os Budas e Ancestrais do Darma.

Basta perceber que nada é fixo, nada é permanente – isto é o vazio. A mente vazia é aberta e flexível. Chora e ri. Pensa e não pensa. Não precisa ser esvaziada – já é vazia. Sendo vazia é clara e iluminada, em constante atividade e transformação.

Apenas escolha com o que alimentá-la. Você mesma(o) é o programa e o programador, o computador e seus acessórios. Cuide-se bem.
(Recebi tendo como autora a Monja Coen)

*Bodhi = estado desperto, iluminação.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Sinais


Conta-se que, certa vez, um velho árabe analfabeto orava com tanto fervor e com tanto carinho, todas as noites, que o rico chefe de uma grande caravana decidiu chamá-lo à sua presença, perguntando-lhe:
- Por que oras com tanta fé? Como sabes que Deus existe, quando nem ao menos sabes ler?
O crente fiel respondeu:
- Grande senhor, conheço a existência de Nosso Pai Celeste pelos sinais Dele.
- Como assim? - indagou o chefe, admirado.
O servo humilde continuou:
- Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a escreveu?
- Pela letra.
- Quando o senhor recebe uma jóia, como é que se informa quanto ao autor dela?
- Pela marca do ourives.
O empregado sorriu e acrescentou:
- Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, depois, se foi um carneiro, um cavalo um boi?
- Pelo rastro - respondeu o chefe, surpreendido.
Então, o velho crente convidou-o para fora da barraca e, mostrando-lhe o céu, onde a lua brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:
- Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens!
Nesse momento, o orgulhoso caravaneiro, com olhos marejados, ajoelhou-se na areia e começou a orar também.